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Curtailment no Brasil

O setor elétrico brasileiro vive um momento de alerta. Os cortes de geração de energia, conhecidos como curtailment, tornaram-se cada vez mais frequentes. Essa prática, realizada pelo Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), visa garantir a estabilidade da rede em momentos de sobrecarga na transmissão ou excesso de oferta de energia.

Na teoria, trata-se de um mecanismo de segurança. Na prática, o avanço acelerado das fontes renováveis, somado aos atrasos na expansão da infraestrutura de transmissão, tem transformado esses cortes em rotina e em um problema grave.

O aumento da geração solar e eólica, especialmente no Nordeste, não foi acompanhado pela mesma velocidade na construção de linhas de transmissão para escoar a energia até os grandes centros consumidores. Além disso, políticas públicas incentivaram a expansão da micro e minigeração distribuída sem contrapartidas em infraestrutura.

O resultado é um sistema em que, diante da sobrecarga ou da sobreoferta, os cortes recaem principalmente sobre usinas eólicas e solares conectadas à transmissão. Diferentemente de hidrelétricas, termelétricas ou da geração distribuída, essas fontes renováveis acabam absorvendo quase sozinhas o impacto financeiro.

Um flerte perigoso com o colapso

Em agosto de 2025, o Brasil esteve muito próximo de um apagão físico. Durante um domingo de baixa demanda, a geração eólica e solar de grande porte foi praticamente desligada, reduzida em 98,5%. Se o corte tivesse sido total, o ONS teria enfrentado pouquíssimas alternativas de ajuste, com risco real de colapso do sistema.

Paralelamente, o setor já enfrenta um apagão financeiro. Só em agosto deste ano, os cortes representaram perdas de R$ 910 milhões para geradores renováveis. De outubro de 2021 a agosto de 2025, os prejuízos acumulados chegam a R$ 6,9 bilhões. Muitas usinas já têm dificuldades para honrar financiamentos, manter operações e pagar tarifas de transmissão.

O que está em jogo

As projeções são preocupantes: até 2029, 96% dos cortes deverão estar ligados à sobreoferta estrutural de energia, puxada principalmente pela mini e microgeração distribuída. Mesmo com a entrada de novas linhas de transmissão, o descompasso entre a oferta crescente e a demanda ainda limitada deve manter a pressão sobre o setor.

Se nada for feito, o país pode viver uma crise dupla: um apagão físico, comprometendo a operação do sistema, e um apagão financeiro, que inviabiliza economicamente justamente as fontes renováveis que deveriam liderar a transição energética.

Medidas urgentes

Especialistas defendem um pacote de ações imediatas. Entre elas, permitir cortes também na geração de grande porte conectada à distribuição, rever contratos de termelétricas para eliminar a obrigação de geração mínima, regulamentar o armazenamento de energia e reformar as regras de curtailment para repartir os impactos de forma mais equilibrada entre diferentes fontes.

Entre janeiro e agosto de 2025, as usinas solares e eólicas registraram cortes médios de cerca de 15%, enquanto as hidrelétricas apresentaram vertimento turbinável em torno de 5%. Caso essas restrições fossem rateadas proporcionalmente entre todas as fontes de geração, incluindo a geração distribuída, o impacto médio seria equivalente a uma redução uniforme de até 5% entre todos os geradores.

No curto prazo, também é necessário criar mecanismos emergenciais de apoio financeiro para usinas eólicas e solares de grande porte, hoje as mais penalizadas.

Os efeitos em cadeia em breve se tornarão visíveis. Bancos públicos e investidores privados estarão entre os grandes atingidos. O BNB e o BNDES aportaram cerca de R$ 100 bilhões em projetos renováveis, montante que representa aproximadamente um terço e 10% de suas carteiras, respectivamente. Já os cotistas de debêntures injetaram mais de R$ 20 bilhões no setor. A inadimplência ou inviabilidade desses projetos irá afetar diretamente o sistema financeiro e as centenas de milhares de pessoas físicas que investiram nestas debêntures incentivadas.

Um caminho sem volta

O Brasil está diante de uma encruzilhada. Sem medidas rápidas e coordenadas, a transição energética corre o risco de perder ritmo, projetos renováveis podem ser paralisados e milhares de empregos estão em jogo.

A lição é clara: não basta expandir a geração de energia limpa. É preciso garantir que o sistema elétrico tenha condições de absorvê-la, de forma segura e sustentável.

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