Por Paulo Edmundo F. Freire*
Confira os recentes avanços nas técnicas de medição de resistividade do solo e modelagem geoelétrica
Publicada em novembro de 2020, a revisão da norma ABNT NBR 7117 – que trata sobre os parâmetros do solo para um projeto de aterramento elétrico – trouxe para os profissionais da engenharia importantes avanços nas técnicas utilizadas para a realização de medições de resistividade do solo e na obtenção de modelos de solo apropriados para projetos elétricos, especificamente no que diz respeito aos sistemas de aterramento e de proteção contra descargas atmosféricas.
O objetivo desta atualização foi audacioso, pois compatibilizou a norma com os amplos recursos disponíveis pela geofísica para a construção de modelos da estrutura geoelétrica da crosta terrestre – os chamados modelos geoelétricos.
Principais atualizações
São diversos os aspectos abordados e atualizados na diretriz, como:
- As definições e conceitos envolvidos na caracterização dos modelos geoelétricos;
- A importância do conhecimento da geologia como informação essencial para a elaboração de um correto modelo geoelétrico, especialmente no caso de aterramentos de instalações de grande porte;
- As considerações sobre contribuições de informações geotécnicas frequentemente disponíveis pela engenharia civil (sondagens SPT etc.), e que são capazes de fornecer importantes subsídios para a construção dos modelos geoelétricos. Como exemplos podem ser destacadas as profundidades do freático, do impenetrável (definido pelas sondagens SPT) e do embasamento rochoso;
- A ênfase no volume de solo a ser prospectado para a construção do modelo geoelétrico, que deve ser diretamente proporcional às dimensões do terreno a ser abrangido pela malha e aterramento;
- A importância das medições serem feitas em terreno limpo, onde não haja a interferência de estruturas condutivas enterradas (armaduras de fundações, cabos de aterramento e tubulações metálicas);
- A abordagem mais completa das técnicas de medição de resistividade do solo, incorporando ao conhecido método elétrico (arranjos de Schlumberger e de Wenner) as técnicas eletromagnéticas (TDEM – Time-Domain Electromagnetic e MT – Magnetotelúrico);
- Considerações sobre a natureza das curvas de resistividade aparente do solo, que são o produto das medições realizadas no campo e que são afetadas por ruídos, interferências e desvios estáticos (static-shift);
- Técnicas de processamento das medições e de produção de uma curva média de resistividades aparentes do solo foram apresentadas, a ser invertida para a obtenção do modelo geoelétrico 1D, caracterizado por multicamadas horizontais.
A importância da revisão
As definições e os conceitos envolvidos na caracterização dos modelos geoelétricos precisavam ser revisados, pois na versão anterior da norma eles expressavam o ponto de vista da engenharia elétrica, que é limitado por não ter o enfoque de geologia. Nesta revisão, as definições e as nomenclaturas são compatíveis com a visão geofísica – ciência cujo escopo é o estudo da estrutura da crosta terrestre.
O conhecimento básico da estrutura geológica da área objeto do estudo é essencial para a obtenção de um modelo geoelétrico efetivamente representativo, especialmente no caso de malhas de aterramento de grande porte. Um projeto de aterramento frequentemente revela falhas importantes por desconsiderar o conhecimento da geologia local, resultando em modelos geoelétricos equivocados e, consequentemente, em projetos sub ou superdimensionados, que não atendem os requisitos estabelecidos pelas demais normas que regem os sistemas de aterramento.
Diferenças entre o projeto das fundações e o projeto de aterramento
Em qualquer empreendimento, as investigações geotécnicas realizadas pela engenharia civil para o projeto das fundações são sempre mais completas e cuidadosas do que as investigações feitas para o projeto da malha de aterramento.
Esta peculiaridade é facilmente explicável, uma vez que, se o projeto das fundações conter erros, existe o risco de a estrutura desabar. Já se houver falhas no projeto da malha de aterramento, há de se esperar a ocorrência de um evento de curto-circuito ou de queda de raio para eventualmente constatar o problema, eventos estes que não acontecem tão frequentemente.
Os cegos, o elefante e a resistividade
O volume de solo que define a resistência de aterramento de uma malha é em função das suas dimensões. A sistemática de medição que é aplicável para uma subestação de distribuição, com dimensão da ordem de dezenas de metros, não pode ser a mesma aplicada a uma área industrial ou a uma subestação de grande porte, que tem dimensão da ordem de centenas de metros.
Por isso, utilizar medições de resistividade do solo com pouco espaçamentos para caracterizar o modelo geoelétrico de uma malha com dimensões muito maiores lembra a história dos cegos que foram descrever o elefante a partir apenas do contato com alguma de suas partes – dependendo de quem tocou a tromba, a perna, a barriga ou o rabo, as descrições foram completamente distintas. Aqui, de novo, pode-se relatar inúmeros projetos bastante equivocados.
A versão antiga da norma contemplava apenas o método da eletrorresistividade, um procedimento elétrico para a medição da resistividade do solo. Métodos eletromagnéticos, como o TDEM e o magnetotelúrico, que tem uma capacidade de penetração em profundidade muito maior, já são utilizados em projetos específicos de sistemas de aterramento para eletrodos de sistemas de transmissão HVDC e malhas de parques eólicos e de usinas fotovoltaicas.
As curvas de resistividade aparente são afetadas por ruídos e pelo chamado desvio-estático. Os ruídos afetam as medições feitas em solos de alta-resistividade (acima de 1000 Ωm), onde o equipamento de medição pode ter dificuldade de injetar corrente suficiente para produzir uma leitura de tensão com boa relação sinal/ruído.
O desvio estático é associado a variações de resistividade das camadas rasas do solo que afetam a simetria da medição, manifestando-se pelo deslocamento vertical da curva de resistividades aparentes. Este tipo de desvio ocorre em todos os tipos de mensurações que envolvem a medição de campos elétricos na superfície do solo (tanto os métodos elétricos como no AMT/MT).
A resistividade do solo apresenta distribuição estatística log-normal, como, aliás, ocorre com a maioria dos parâmetros em geologia. Assim sendo, para se obter uma curva média de um conjunto de medições, é recomendável a utilização da média geométrica dos valores medidos.
Este é um importante ajuste feito na norma, cuja versão anterior adotava a média aritmética, associada a parâmetros que têm distribuição estatística normal (Gaussiana). A diretriz propõe também uma nova metodologia para a eliminação de valores extremos (outliers) por meio de filtragem por desvio padrão dos logaritmos das resistividades aparentes medidas.
A nova norma não aborda as metodologias de combinação de curvas de resistividade aparentes medidas por diferentes técnicas de sondagens geofísicas em uma curva única, que inclusive colaboram para o ajuste, ainda que parcial, dos desvios estáticos, e que viabilizam uma modelagem geoelétrica que vai desde a superfície do solo até camadas profundas da crosta terrestre, da ordem de quilômetros.
A revisão da diretriz que trata sobre os parâmetros do solo para um projeto de aterramento elétrico continuará a ser abordada em publicações futuras deste blog.
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*Paulo Edmundo da Fonseca Freire é engenheiro eletricista e Mestre em Sistemas de Potência (PUCRJ). Doutor em Geociências (UNICAMP) e membro do CIGRE e do COBEI, também atua como diretor da Paiol Engenharia.