Ao longo de quase 6 anos atuando diretamente na construção e comissionamento de parques solares GD e GC, vivenciei na prática os desafios e aprendizados que esse setor tão promissor proporciona. Desde a terraplanagem até a energização final, cada projeto traz lições valiosas — algumas duramente aprendidas — que contribuem para o aprimoramento técnico, estratégico e humano da jornada solar.
Abaixo, deixo minha contribuição para a rede compartilhando 10 dessas lições aprendidas que julgo serem relevantes para profissionais que já atuam ou desejam atuar nesse segmento da energia renovável:
1. Falta de compatibilização prévia dos projetos
Um dos principais problemas que enfrentei em algumas obras foi a ausência de uma compatibilização prévia e eficaz entre os projetos civil, elétrico e mecânico. Quando essas disciplinas não dialogam previamente, surgem conflitos entre fundações dos trackers, valas de drenagem, valas de cabos elétricos, equipamentos, etc. O resultado disso são retrabalhos, aumento de custos, impacto direto no cronograma e transtornos para a equipe de campo.
Para evitar esse cenário, é essencial que a compatibilização multidisciplinar ocorra ainda na fase de engenharia, preferencialmente com o uso de ferramentas BIM e revisões integradas. Além disso, quando o projeto é desenvolvido por uma empresa subcontratada da EPCista, torna-se imprescindível a presença de um profissional ATO (Apoio Técnico de Obra) full-time alocado no canteiro para fazer a ponte entre a EPIcista e a empresa projetista, dando agilidade na resolução de dúvidas técnicas, as built e interferências em tempo real em conjunto com a sala técnica da EPCista. Essa estrutura dá agilidade às decisões e reduz significativamente os riscos de falhas de execução
2. Falta de alinhamento em campo entre as disciplinas
Complementar à compatibilização de projetos, a falta de alinhamento prático e de comunicação contínua entre as diferentes disciplinas (civil, elétrica e mecânica) durante a execução da obra também é uma das principais causas de retrabalhos e atrasos em parques solares.
Mesmo com projetos compatibilizados em fase de engenharia, falhas no diálogo entre as equipes de campo podem gerar conflitos operacionais. Alguns exemplos são danos em cabos elétricos, inversores, caixas de passagem, canaletas de drenagem, estruturas dos trackers, estacas cravadas sobre valas elétricas, módulos instalados antes da finalização da infraestrutura elétrica, etc. Cada uma dessas falhas representa não apenas retrabalho físico, mas também impactos financeiros e atrasos no cronograma.
O alinhamento entre os setores precisa ir além dos documentos: ele deve estar presente nas reuniões diárias de obra, em boas práticas de sinalização de frentes de serviço e na presença de engenheiros integradores que acompanhem a execução de forma global. A integração entre as disciplinas é tão crítica quanto a execução técnica de cada uma delas.
Abaixo, alguns exemplos de problemas que podem ser causados pela falta de alinhamento em campo entre as disciplinas:
- Danos em cabos elétricos
- Danos em inversor string
- Danos a caixas de passagem
- Danos a canaletas de drenagem
- Danos as estruturas dos trackers
- Danos em módulos fotovoltaicos
3. Ausência ou implantação tardia da metodologia Lean Construction
A implantação tardia ou inexistente da filosofia Lean Construction em obras solares é uma oportunidade perdida de ganho em produtividade, controle e previsibilidade. Essa abordagem, focada na eliminação de desperdícios e no fluxo contínuo de valor, deve ser incorporada desde o início da mobilização da obra.
A aplicação prática do Lean no canteiro passa por ferramentas simples e eficazes, como reuniões diárias de check-in e check-out com as frentes de serviço, definição de metas claras por equipe, gestão visual do cronograma e revisão constante dos indicadores de desempenho. Esse acompanhamento diário permite identificar gargalos rapidamente, redistribuir recursos e evitar paralisações desnecessárias.
Obras que adotam o Lean desde o início colhem benefícios como redução de retrabalho, maior engajamento dos times, segurança operacional e entregas com maior aderência ao cronograma. A cultura da melhoria contínua precisa fazer parte da rotina do canteiro — e isso começa com líderes que acreditam e praticam a metodologia.
4. Execução de valas antes da cravação de estacas
Um erro recorrente em muitos parques solares é a inversão da sequência de execução das frentes de serviço. Quando as valas elétricas e de drenagem não são executadas antes da cravação das estacas e da montagem dos trackers, surgem diversos entraves físicos e logísticos na obra.
A movimentação de máquinas fica limitada, os acessos se tornam mais estreitos, e há risco iminente de danos às estruturas recém-instaladas, como estacas, vigas dos trackers e módulos. Além disso, a abertura de valas entre estruturas já montadas demanda mais tempo, recurso, mão de obra e, consequentemente, mais custo.
Definir e respeitar uma sequência executiva lógica — priorizando a escavação e finalização das valas de infraestrutura elétrica e civil — é essencial para garantir um fluxo de obra eficiente, seguro e sem retrabalhos.
5. Fixação incorreta dos cabos solares nos trackers
Um detalhe aparentemente simples, mas que pode causar falhas sérias, é a forma como os cabos solares são amarrados nas estruturas dos trackers. Em muitos casos, observa-se a prática incorreta de prender os cabos solares diretamente em peças rotativas dos trackers, como em eixos e virolas, o que, com o movimento diário dos seguidores, pode levar ao desgaste do isolante, rompimento do cabo, curto-circuito e até incêndios.
A amarração dos cabos deve ser feita sempre nas correias ômega (peças fixas da estrutura), utilizando abraçadeiras de boa qualidade e resistência ao UV, e sempre mantendo uma folga adequada para que os cabos não fique excessivamente tracionados durante os movimentos do tracker.
6. Má conectorização dos MC4
Um erro crítico e ainda recorrente na construção de parques solares é a má conectorização dos conectores MC4, que são responsáveis por garantir conexões elétricas seguras entre os módulos e demais componentes do sistema.
Conectorizações mal feitas — seja por crimpar mal os terminais, não encaixar corretamente os conectores ou utilizar modelos incompatíveis — podem causar aumento de resistência elétrica, superaquecimento, arco elétrico, perda de eficiência e até incêndios.
✅ Boas práticas incluem:
- Utilizar conectores originais, compatíveis e nunca misturar conectores de fabricantes diferentes;
- Usar ferramentas de crimpagem adequadas e calibradas;
- Seguir estritamente o manual de instruções do fabricante.
A conectorização correta é essencial para a segurança, durabilidade e desempenho da planta. Pequenos cuidados nesse processo evitam grandes prejuízos operacionais e riscos à integridade da instalação.
7. Falta de organização e espaçamento correto dos cabos elétricos nas valas
Manter os cabos elétricos bem organizados e com espaçamento adequado nas valas, especialmente nas valas de Baixa Tensão em Corrente Alternada (BT-CA), é essencial para evitar interferências quando a comunicação se dá principalmente via PLC (Power Line Communication), tecnologia que utiliza os próprios condutores de energia para transmitir dados dos inversores para os eletrocentros e sala de controle.
A má organização dos cabos — como a sobreposição ou o espaçamento incorreto — pode ocasionar interferências eletromagnéticas que afetam diretamente a qualidade desses sinais, podendo ocasionar falhas intermitentes e perda dos dados de geração.
8. Má compactação de valas
Um aspecto muitas vezes negligenciado na instalação elétrica de parques solares é a compactação adequada das valas após o lançamento dos cabos. Quando essa etapa não é executada corretamente, diversos problemas estruturais e elétricos podem surgir ao longo do tempo, impactando diretamente a segurança e a confiabilidade do sistema.
A compactação deve ser feita em camadas sucessivas, com umectação adequada do material de reaterro, que precisa estar livre de matéria orgânica, pedras, galhos ou detritos. Além disso, é essencial respeitar a umidade ótima do solo para garantir a densidade mínima exigida no projeto (geralmente 95% do Proctor Normal, conforme especificado).
Um exemplo do que pode ocorrer devido à má compactação é o afundamento de solo, também chamado de recalque.
9. Não realização dos testes de Eletroluminescência (EL) nos módulos FV
Um erro recorrente em projetos de grande porte é deixar de realizar o teste de eletroluminescência (EL) antes da instalação dos módulos fotovoltaicos.
Esse teste é fundamental para identificar microfissuras, células partidas ou defeitos de fabricação invisíveis a olho nu, que podem comprometer a performance do sistema ao longo do tempo. Quando o teste não é feito antes da montagem, perde-se a chance de acionar a garantia do fornecedor de forma preventiva, resultando em retrabalho e prejuízo operacional.
10. Falta de verificação da revisão dos projetos
Por fim, outro erro recorrente em obras de parques solares é a execução baseada em versões desatualizadas dos projetos. Esse descuido pode gerar retrabalhos significativos, como por exemplo a necessidade de demolição e reconstrução das bases dos eletrocentros, mudança das rotas das valas de cabos elétricos, reinstalação de equipamentos devido mudança na posição na versão mais recente do projeto executivo, etc.
Cabe ao departamento de Qualidade garantir que as equipes de campo estejam trabalhando com a última revisão liberada. Isso deve ser feito através do controle documental adequado, com projetos carimbados como “Liberado para Execução”, e disponível de forma clara e acessível às equipes envolvidas. Reuniões de alinhamento, listas de verificação e auditorias internas são ferramentas importantes para assegurar que todos estejam em conformidade.